UM BRUXO, UM GUERREIRO. UM LEITOR
M. tem 12 anos e diariamente atravessa a BR-386 até o Sesc (Serviço Social do Comércio). Ele chega, cumprimenta as funcionárias, conta sobre o dia na escola e depois passa todo o dia na biblioteca pública do espaço. Lá, a criança tem a oportunidade de conhecer um mundo diferente, às vezes ele é um bruxo poderoso capaz de salvar todo um colégio ou se descobre um semideus. Em todas as narrativas, M. é imbatível, feliz e livre.
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Mas chega o horário de fechar, as funcionárias do Sesc se despedem e ele precisa atravessar a rodovia novamente. Em sua casa não tem nenhuma magia ou mistérios a serem desvendados, entretanto não significa que não tenha seus desafios, já que nunca há uma rotina. Desse modo, M. passa o percurso inteiro pensando, seja na fome que sentia, se teria jantar, se seu pai estaria violento, alegre ou desmaiado de tanto beber. E com esses questionamentos, chega em casa.
Essa é a rotina de uma criança frederiquense em situação de vulnerabilidade social atendida por uma instituição do município, que não é um caso de exceção, já que estima-se que mais de 40% de crianças e adolescentes de até 14 anos vivem em situação de pobreza domiciliar no Brasil.
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Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, o acesso da criança à cultura é um direito fundamental, entretanto pouco se é falado sobre esse direito, tendo em vista que o perfil de crianças que é privado deste acesso, sofrem também com insegurança alimentar e lar disfuncional.
O psicólogo Fabrício Civardi afirma que o acesso à cultura para essas crianças surge como uma oportunidade para a criança organizar suas vivências, “a importância dessas ações vem com o objetivo de ofertar algo para que a criança possa se expressar, elaborar o sofrimento e assim organizar seus sentimentos”, aponta o psicólogo.
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Para além da ação social
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O Serviço Social do Comércio (Sesc) de Frederico Westphalen possui uma ampla programação de ações sociais, seja de feiras do livro, arrecadação de alimentos, agasalho, brinquedos. Apesar da grande importância dessas ações, ainda é um desafio alcançar e atender todas as crianças em situação de vulnerabilidade no município.
Para isso, existe a biblioteca pública, onde as crianças têm a oportunidade de estar das 8h às 20h em um espaço seguro, com acesso à internet para fazer trabalhos escolares, um grande acervo de livros e colaboradoras dispostas a ajudar sempre que necessário. Tal ação preencheu uma lacuna existente na cidade e certamente mudou a vida de diversas crianças ao longo dos 10 anos de existência. Crianças que encontraram conforto e respostas para suas dores em páginas de gibis espalhadas pela mesa, que tiveram seu primeiro contato com o teatro e a arte. Que ajudou a ressignificar questões particulares de suas vivências difíceis.
Essas crianças, por vezes invisibilizadas e marginalizadas no município, encontram nas páginas do livro, no sorriso do personagem, no acolhimento das colaboradoras um meio de serem enxergadas de fato, com dignidade. "É incrível ver os olhos dos artistas brilhando ao contar suas experiências, esse brilho reflete nos olhos das crianças e consequentemente no nosso", afirma Maitê.
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POR PAMELA SOUSA